Filme mais urgente já estreado em 2025? Vencedor do Óscar de Melhor Documentário, "NO OTHER LAND" deixa um exemplo de resistência contra a opressão e o apagamento através das armas do cinema e dos princípios do jornalismo. Um triunfo conjunto dos palestinianos Basel Adra e Hamdan Ballal e dos israelitas Yuval Abraham e Rachel Szor a descobrir no Cinema Ideal (em Lisboa), no Cinema Trindade (no Porto) e na plataforma Filmin.

Independentemente das reservas que se possam ter em relação aos Óscares - e às "injustiças" da selecção de cada ano -, a Academia esteve do lado certo da História ao não só nomear como premiar um dos testemunhos mais dilacerantes já vistos em torno do conflito israelo-árabe. E também dos mais específicos: este filme criado a oito mãos, em situações muitas vezes de risco de vida, não pretende ser um ensaio sobre uma guerra tão longa como intrincada mas um relato da ocupação israelita (e ilegal) sofrida por uma comunidade da Cisjordânia há décadas. Masafer Yatta, aldeia que, como dezenas de outras da região, tem sido destruída pelos soldados e colonos do outro lado da fronteira, é o lar precário de Basel Adra, jovem activista, jornalista e formado em Direito cujo quotidiano o filme acompanha.
Um dos realizadores, o palestiniano partilha o protagonismo de "NO OTHER LAND" com Yuval Abraham, cocriador israelita cuja condição privilegiada é várias vezes apontada. Se a primeira memória de Basel é a detenção do pai (uma entre várias injustificadas) durante um protesto contra a ocupação, a experiência de Yuval tem sido radicalmente diferente, como o próprio reconhece a certa altura (e como voltou a lembrar no discurso de agradecimento da cerimónia dos Óscares, momento-chave para a visibilidade internacional do filme depois de montras importantes no Festival de Berlim ou nos Prémios do Cinema Europeu).

Afinal, os israelitas não lidam regularmente com a erradicação indiscriminada de casas, escolas, plantações, depósitos de água ou abastecimentos de energia, além das invasões, agressões, detenções ou até mortes por parte de soldados do país vizinho.
"NO OTHER LAND" expõe o abuso e o absurdo desse cenário - Basel e a família chegam a ter de viver em grutas - com a força de um cinema de guerrilha no qual o contra-ataque se faz com a câmara (quase sempre à mão). Registar para não esquecer é um dos lemas de um documentário que parte de um vasto arquivo, boa parte pessoal, preservado desde a infância de um dos seus autores. "Home movies" modestos na forma, mas vitais no humanismo que ajudam a imprimir a um olhar movido por causas sem esquecer o cinema.

O quarteto de realizadores molda um portento de tensão a milhas do esquematismo e sensacionalismo televisivos, integrando a resiliência e as frustrações de dois amigos de lados opostos numa obra que é bem mais do que uma denúncia. É também uma possibilidade de experienciar o intimismo entre o caos, a partir de momentos de descompressão de Basel com a sua família e vizinhos.
Além das imagens de destruição, recorrentes e até repetitivas (mas como poderiam não ser?), a câmara espreita crianças a serem crianças, entre brincadeiras por casa ou a vontade de ir à escola, mesmo que com pedras (e não só) pelo caminho. Ou dois jovens adultos que tentam esboçar os planos pessoais possíveis depois de terminado o documentário que têm em mãos e apesar do contexto que o motivou.

Curiosamente, numa altura em que as redes sociais são encaradas com desconfiança ou mesmo demonizadas (veja-se a discussão em torno da série "Adolescência", da Netflix), em "NO OTHER LAND" foram uma ferramenta imprescindível para a comunidade de Basel poder expressar a sua voz - com um alcance inesperadamente global. Mas entre os que a ouvem, quantos agem?
A questão é colocada pelos realizadores na recta final do filme, numa das cenas mais angustiadas, sem resposta à vista. Até porque o palco nos Óscares não foi suficiente para garantir distribuição comercial nos EUA (pior ainda, a sala de cinema da Florida que exibiu o documentário sofreu ameaças do mayor local) e um dos autores, o palestiniano Hamdan Ballal, está entre as vítimas mais recentes dos colonos e soldados israelitas. História sem final feliz nas imediações, esta, mas que um filme como "NO OTHER LAND" exista é quase um milagre e que seja realmente muito bom ainda é mais. Apesar de tudo, 2025 já será um pouco menos desolador por causa dele...
4/5